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quinta-feira, 17 de janeiro de 2013


Trabalho escravo – 2.354 trabalhadores libertados em 2012


Segundo relatório da Fiscalização do Trabalho de 2012, foram libertados 2.354 trabalhadores por Auditores-Fiscais do Trabalho de condições análogas à escravidão, resultado de 120 ações fiscais em todo o país.
 
A ONG Repórter Brasil publicou uma matéria com retrospectiva das principais ações do ano passado. Os destaques são para a variedade das atividades em que foram encontrados trabalhadores explorados sob regime de escravidão e para resgates em que um grande número de trabalhadores foram libertados, como uma ação no Pará que libertou 150 pessoas e outra no Paraná que resgatou 125 trabalhadores.
 
A matéria ressalta que em 2012 mais trabalhadores foram encontrados em condições degradantes e de escravidão no ambiente urbano, em confecções e na indústria da construção civil.
 
Na semana passada vários veículos de comunicação destacaram a atualização da Lista Suja, feita no final de dezembro de 2012, e a ampliação do número de empresas e empregadores incluídos.
 
O Sinait reitera a importância da atuação dos Auditores-Fiscais do Trabalho no combate direto à prática do trabalho escravo no Brasil, que é uma chaga inaceitável, porém, ainda muito presente em regiões de difícil acesso e com registro também nos centros urbanos, infelizmente.
 
As condições em que as operações são realizadas, muitas vezes, são muito difíceis e adversas. As equipes são organizadas de forma a resolver as situações passíveis de serem encontradas, como a falta de Carteira de Trabalho, cálculo de verbas rescisórias, pagamento e transporte para que os trabalhadores voltem às suas cidades de origem. Mas os imprevistos também ocorrem, assim como tentativas de intimidação e ameaças aos Auditores-Fiscais, procuradores do Trabalho e policiais federais. A prática do trabalho escravo continua acontecendo devido, principalmente, à impunidade, demandando uma mudança de postura do Poder Judiciário diante da questão, e à impossibilidade da Fiscalização do Trabalho para ampliar as equipes e atender a todas as denúncias, seja por falta de orçamento, seja por falta de pessoal, já que há pouco mais de 2.900 Auditores-Fiscais em atividade.
 
O aspecto humano também é observado. Muitas histórias e imagens chocantes foram colhidas pelos Auditores-Fiscais do Trabalho ao longo de mais de 17 anos de trabalho do Grupo Móvel, em que foram resgatados 37.849 trabalhadores. Algumas já correram o mundo e são emblemáticas para demonstrar a crueldade praticada contra os trabalhadores, em geral homens e analfabetos, sem perspectivas de encontrar trabalho onde vivem.
 
A experiência leva a ações concretas, além da fiscalização propriamente dita. A criação do Seguro-Desemprego especial para trabalhadores resgatados, importante para reduzir a reincidência, e da Lista Suja é fruto de sugestões de Auditores-Fiscais do Trabalho envolvidos no combate à escravidão. Modificações nos procedimentos em relação a trabalhadores estrangeiros também surgiram do contato dos Auditores-Fiscais com a realidade dos imigrantes encontrados durante as ações fiscais. O Sinait coordena um estudo no âmbito da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo – Conatrae que fará várias sugestões para melhorar as condições desses trabalhadores no Brasil.
 
Leia a matéria da Repórter Brasil e ouça reportagem da Rádio CBN sobre a Lista Suja.
 
11-1-2013 - Rádio CBN
 
 
11/01/2013 – Repórter Brasil
Mais de 2 mil pessoas foram libertadas da escravidão em 2012
 
Pará é o estado com mais libertados. Ano foi marcado por resgates em siderúrgicas, usina de cana com selo "Amiga da Criança" e áreas das famílias da senadora Kátia Abreu e do banqueiro Daniel Dantas
 
Por Verena Glass
 
O Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) encerrou o ano de 2012 contabilizando a libertação de 2.094 trabalhadores de condições análogas à escravidão. Os resgates ocorreram em 134 estabelecimentos, entre fazendas, carvoarias, canteiros de obra, oficinas de costura e outros, conforme levantamento feito com base em informações sobre operações de resgate (clique aqui para baixar os dados referentes às operações de 2012 e dos anos anteriores).
 
Apesar da dificuldade de identificar com precisão as atividades de todos os estabelecimentos flagrados, a partir dos registros na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (Cnae, instrumento de padronização de códigos de atividades econômicas utilizado pelos diversos órgãos de administração tributária do país) é possível estimar que o padrão detectado nos anos anteriores se manteve em 2012: a pecuária apresentou, de longe, o maior número de resgates de trabalhadores escravos, seguida por atividades ligadas ao plantio e extração de madeira e pelo carvão. Ou seja, 56 libertações ocorreram em fazendas de criação - ou com registro de criação - de gado, 21 em empreendimentos de plantio (ou com registro) de eucalipto, pinus e exploração de madeira, e 16 em carvoarias. 
 
Outro setor que teve número significativo de casos de trabalho escravo foi a sojicultura. Ao mesmo tempo em que a área de soja plantada em terras recém-desmatadas na Amazônia saltou de 11,69 mil ha para 18,41 mil ha na safra 2011/2012 (um aumento de 57%) de acordo com dados da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais, em 2012 o Grupo Móvel resgatou 144 trabalhadores em 10 fazendas de soja ou com registro de produção do grão.
 
O Pará é o estado em que mais operações foram realizadas e onde aconteceram mais flagrantes, conforme tabela ao lado. 
 
Casos emblemáticos
A libertação recorde de 2012 ocorreu no setor do carvão, e envolveu três das maiores siderúrgicas do Pará. Em março, o Grupo Móvel resgatou 150 pessoas de duas carvoarias em Novo Repartimento, que abasteciam as siderúrgicas Sidepar, Cosipar e Ibérica. De acordo com a fiscalização, os trabalhadores desmatavam a região ilegalmente para fabricar o carvão, e a operação acabou descobrindo um esquema de crimes ambientais, emissão de notas fiscais falsas e até ameaças a trabalhadores. Foram lavrados 21 autos de infração e um processo contra as três siderúrgicas, mas, como as empresas formaram um consórcio, a fiscalização responsabilizou a Sidepar pelo crime de escravidão.
 
Outra siderúrgica autuada por prática de trabalho escravo foi a Viena, de Darcinópolis, também no Pará. No final de outubro, uma fiscalização libertou 89 pessoas que trabalhavam no corte de eucalipto e produção de carvão na fazenda Vale do Canoa III, de propriedade da siderúrgica. De acordo com os fiscais, os trabalhadores viviam em condições péssimas de higiene, não tinham energia, água potável, banheiros, área de vivência, transporte adequado, nem equipamentos de proteção individual.
 
Uma das maiores produtoras e exportadoras de ferro-gusa do Brasil, a Siderurgica Viena - que também é dona da Fazendas Reunidas Agroindustrial, em Pirapora (MG), e da marca de cachaça Pirapora - exporta, segundo informações de seu site, para os mercados europeu, asiático e estadunidense. Tanto a Viena quanto a Sidepar são signatárias do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo e podem ser suspensas devido aos flagrantes.
 
A segunda maior libertação ocorreu na única usina de cana flagrada com trabalho escravo no ano passado. Em setembro, a fiscalização do MTE e do Ministério Público do Trabalho resgatou 125 trabalhadores da usina Sabaralcool S/A Açúcar e Álcool, em Perobal, no Paraná, de uma situação descrita como "grave demais". Contratados pelos chamados "gatos" (intermediadores de mão de obra), trabalhadores da Bahia, Pernambuco e Maranhão foram submetidos a péssimas condições de alojamento, transporte e alimentação, eram obrigados a comprar seus próprios instrumentos de trabalho, a contrair dívidas com os contratantes e o comércio local e a trabalhar aos domingos, não tinham descanso mínimo de uma hora durante as jornadas de trabalho, e não tinham o menor controle sobre o pagamento.
 
A Sabaralcool, que detém o selo de "empresa Amiga da Criança", pertence à família do empresário Ricardo Albuquerque Rezende, falecido em março último. Rezende havia sido presidente da Associação Paranaense dos Produtores de Bioenergia do Paraná (Alcopar) por três mandatos e, antes de sua morte, ocupava o posto de vice-presidente da entidade. Também foi diretor do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC). De acordo com a fiscalização, a usina já havia sido notificada por problemas trabalhistas em 2007, ano em que foi firmado um Termo de Ajustamento de Conduta. A situação encontrada em 2012, além de muito grave, se caracterizou como "fraude deliberado do TAC", afirmaram os fiscais. 
 
Setor têxtil
No setor de vestuário, em 2012 foram libertados 32 trabalhadores que costuravam para as grifesGregory Talita Kume  e para a confecção WS Modas Ltda (fornecedora da Gregory e dona da marca Belart). Dada a notoriedade das marcas, estes resgates tiveram grande repercussão na opinião pública. Na semana em que foi divulgada a ligação da Gregory com exploração de trabalhadores, dezenas de pessoas se manifestaram protestando na página do Facebook da empresa - que, assim como Marisa, Pernambucanas e Zara, autuadas por trabalho escravo em anos anteriores, foi convocada para depor em oitiva na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Trabalho Escravo. Já a Talita Kume se apressou em incluir em seu site uma página onde promete cumprir normas trabalhistas.
 
Já no setor de construção civil, 136 operários foram resgatados em fiscalizações nas empresas Racional Engenharia Ltda (trabalho na ampliação do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, na região da Avenida Paulista) em São Paulo, Construtora Croma Ltda (obras de um conjunto habitacional da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo - CDHU) em Bofete (SP), Construtora Central do Brasil (obras da duplicação da rodovia federal BR-060, projeto do PAC) em Indiara (GO), e Brookfield Centro-Oeste Empreendimentos Imobiliários, em Goiânia. Além disso,12 trabalhadores foram libertados na fazenda de João Pedro Pereira, em Barra do Piauí (PI), onde construíam instalações na propriedade.
 
Outros dois casos de 2012 receberam destaque por envolver as famílias da senadora Kátia Abreu (PSD-TO) - cujo irmão, André Luiz de Castro Abreu, foi apontado pela Superintendência Regional de Trabalho e Emprego do Tocantins como co-proprietário da Fazenda Água Amarela (plantio de eucalipto e produção de carvão), onde foram resgatados 56 trabalhadores -, e do banqueiro Daniel Dantas - cuja irmã, Verônica Dantas, e ex-cunhado, Carlos Bernardo Torres Rodenburg, são proprietários da Agropecuária Santa Bárbara, em São Felix do Xingu (PA), onde foram libertados quatro trabalhadores.
 
Por fim, vale relembrar ação realizada em agosto na fazenda de gado Alô Brasil, em Marabá (PA), que foi acompanhada por quatro deputados da CPI do Trabalho Escravo e resultou na libertação de oito trabalhadores. Na ocasião, o deputado federal Giovanni Queiroz (PDT/PA), integrante da bancada ruralista (que costuma contestar a existência de trabalho escravo no país) considerou a situação "vergonhosa, constrangedora".