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terça-feira, 5 de novembro de 2013

Assédio moral no serviço público


O assédio moral no serviço público está em pauta e foi discutido recentemente na Comissão de Direitos Humanos e Minorias – CDHM da Câmara dos Deputados. No mês de outubro, parlamentares e servidores públicos debateram em audiência pública a importância em elaborar um projeto de lei para tratar sobre o tema. Ao final da discussão, a Comissão ficou de apresentar um anteprojeto até o final do ano.
Para a presidente do Sinait, Rosângela Rassy, o assédio moral no serviço público é um assunto preocupante que incomoda a categoria há muitos. Segundo ela, os Auditores-Fiscais do Trabalho lidam com o problema em duas frentes: a primeira é durante os plantões fiscais em que recebem as denúncias dos trabalhadores que sofrem assédio nos locais de trabalho; a segunda, é quando os próprios Auditores-Fiscais são as vítimas, por exemplo, quando não conseguem cumprir as demandas exigidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego - MTE.
Rosângela Rassy explica que o Auditor-Fiscal recebe cada vez mais Ordens de Serviço - OSs e fica sobrecarregado de trabalho, em razão do pequeno número de Auditores-Fiscais do Trabalho. “Ele não pode dizer ‘não’ e acaba acumulando Ordens de Serviço em excesso. Isso pode caracterizar um assédio, porque pode vir a prejudicar sua avaliação funcional”. De acordo com a presidente, “o Auditor-Fiscal é obrigado a ser eficiente, mas não recebe as condições necessárias para executar esse trabalho”.
Rosângela Rassy lembra que o assunto é polêmico e preocupa há muito tempo a Auditoria-Fiscal do Trabalho. O tema foi tratado especificamente no 27º Encontro Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho – Enafit realizado em Belém (PA), em 2009. Era, na época, um assunto ainda pouco explorado, que foi tomando maiores proporções dentro do serviço público até os dias de hoje, quando é cogitada uma legislação específica (leia matéria sobre o tema https://www.sinait.org.br/?r=site/noticiaView&id=858).
Leia mais sobre assédio moral aqui.
Leia, também, matéria do jornal Correio Braziliense sobre o tema:
3-11-2013 – Correio Braziliense

Reféns da humilhação

Sindicatos acumulam denúncias de assédio moral. Dificuldade em reunir provas e ausência de legislação impedem a punição dos acusados
Vera Batista
O debate sobre assédio moral e abuso de autoridade no ambiente de trabalho ganhou relevância no mundo inteiro. As reclamações se avolumam dentro e fora dos tribunais e revelam a triste estatística de milhares de funcionários fragilizados por humilhações. A violência cotidiana ocorre em todas as esferas, alastrou-se no serviço público, chamou a atenção do Congresso Nacional e foi tema de audiência na Comissão de Direito Humanos e Minorias (CDHM), da Câmara dos Deputados. Às vezes acobertado por colegas das vítimas, esse mal causa sérios prejuízos à saúde dos trabalhadores e aos cofres públicos, com indenizações e terapias pagas a aposentados e pensionistas precoces.
A procuradora regional do trabalho Adriane Reis Araújo reforça que o ato tem alto custo social, pois afeta a produtividade e leva ao afastamento prematuro. "O assédio é uma prática violenta contínua com efeito de ofender a dignidade da pessoa, de desqualificá-la e de humilhá-la", descreve.
Estudos do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional) mostram que, entre dez afastamentos de auditores da função, pelo menos oito são relacionados a esse tipo de constrangimento. Entre os casos de abusos diários denunciados pelo Sindifisco, em empresas públicas e privadas, há registros de xingamentos, gerentes que obrigam funcionários que não cumprem metas a latir, a se deitarem em um caixão ou a rebolar em reuniões, além de proibições descabidas, como funcionários que não podem ir ao banheiro mais de duas ou três vezes ao dia. O grande problema é que esse terrorismo contra o lado mais fraco é difícil de provar.
Quando uma pessoa é hostilizada, ridicularizada ou desacreditada, os colegas, por medo e vergonha de serem identificados com a fraqueza da vítima, fazem um pacto de tolerância e silêncio coletivo e, às vezes, reproduzem os atos do agressor. Esse é o chamado bullying horizontal, ou mobbing. "Esse tipo de problema ocorre quando um grupo passa a praticar assédio psicológico contra um colega de mesmo nível hierárquico, por exemplo, por meio de críticas e comentários, disseminação de rumores ou pela ridicularização. Por vezes, esse comportamento parte de pessoas que buscam, de formas pouco profissionais, agradar aos superiores, repetindo, quando possível, seus atos", analisa Susana Falchi, diretora executiva da HSD Consultoria em Recursos Humanos.
Ações judiciais
Foi registrada na 12ª Vara do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, em Brasília, uma reclamação trabalhista de um servidor da Caixa contra vários membros da diretoria. Na ação, o advogado Silvio Pereira informa que um alto funcionário cometeu assédio por mais de três anos e foi considerado culpado pela comissão de ética da empresa. De acordo com o advogado, apesar de servidor exemplar, seu cliente foi transferido diversas vezes e perdeu gratificações. A Caixa não revelou a quantidade de processos sobre o assunto, o número de condenados nem o montante pago em indenizações. Em nota, informou que aguarda instrução e julgamento do caso e que "não admite situação de assédio moral em seus quadros".
Leilane Ribeiro, presidente do Sindicato dos Servidores do Plano Especial da Polícia Federal, relatou, durante a audiência na CDHM, a discriminação entre os servidores administrativos da Polícia Federal em relação aos policiais. Ela diz ser grande o número de assédios morais, mas comenta a dificuldade de se conseguir provas para fazer denúncias, além dos próprios servidores reconhecerem o assédio e terem coragem para tomar iniciativa. Entre os trabalhadores do setor, a depressão é constante.
Nem mesmo a Justiça foge à regra. Em carta, o Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário e do Ministério Público da União (Sindjus-DF) narrou que a atual gestão do Superior Tribunal Militar (STM), presidido pelo ministro general de Exército Raymundo Cerqueira, provocou um processo de militarização dentro do órgão - um tribunal civil. Cidadãos são humilhados no restaurante por militares que chamam civis para o confronto físico. Muitos marcham e bradam pelos corredores jargões da caserna. Há casos sendo investigados pelo Ministério Público de servidores obrigados a "pagar 10 flexões" como punição. De acordo com a assessoria de imprensa do STM, após a publicação da carta do Sindjus, foi encaminhada mensagem aos servidores reafirmando o compromisso de apuração dos desvios de comportamento.
Entenda o que é
Para ser considerada assédio moral, a exposição dos trabalhadores a situações constrangedoras precisa ser repetitiva e prolongada durante a jornada de trabalho e no exercício das funções, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e antiéticas de longa duração, por parte de um ou mais chefes.

Assédio moral: Sem previsão legal

Entidades que representam servidores se queixam da falta de legislação nacional para caracterizar assédio moral como crime. Há mais de 80 projetos tramitando nas instâncias municipal, estadual e federal. Poucos foram regulamentados. Alguns pedem a inclusão de um artigo (117-A), na Lei do Servidor Público (nº 8.112, de 1990). Por ausência de lei específica, tecnicamente, a prática do assédio moral não é crime, pois não consta no Código Penal. A saída encontrada pelos tribunais para punir o infrator é responsabilizá-lo criminalmente por injúria, que prevê pena de um a seis meses de prisão, ou multa.
A falta de conceituação, segundo especialistas, acaba permitindo interpretações e abusos de ambas as partes. Levantamento da Coordenação de Seguridade Social e Benefícios do Servidor Público, de 2004, revelou que cerca de 70% das denúncias de assédio moral, ao serem investigadas, revertem-se contra o denunciante, mesmo que ele tenha razão. À época, 33% dos Servidores Públicos federais brasileiros relataram casos de assédio. A previsão é de que o Estado perde R$ 520 milhões por ano com gastos adicionais na folha de pessoal, por conta dos afastamentos. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), 8% dos trabalhadores no mundo sofrem esse tipo de violência. A maioria tem entre 45 e 55 anos de idade e 70% são mulheres.
A lei seria uma referência para conceituar o ato e regular o amparo ao servidor, como explica Adriane Reis Araújo, procuradora regional do trabalho. "O esclarecimento alivia a vítima e aumenta as chances de denúncias", afirma. Um projeto de lei deve ser apresentado pela Comissão de Direito Humanos e Minorias (CDHM) até o fim do ano.
O outro lado
Juristas renomados e até mesmo Servidores Públicos que preferiram o anonimato alertaram que a questão do assédio deve ser analisada com cautela. A moeda tem duas faces distintas. "Muita gente faz concurso só para ganhar salário e estabilidade. Não tem vocação, não quer trabalhar.  Aí, deixa o serviço de lado, fica jogando no computador, postando em redes sociais e estudando descaradamente para outros concursos com melhor remuneração. Quando, então, o chefe cobra a tarefa que é sua obrigação, o cara fica ofendido, melindra-se, debocha, reage, diz que não vai fazer. Se o chefe se irrita, perde a paciência, ele se acha no direito de denunciar crime que nunca aconteceu", ironizou uma servidora.
Advogados que, inclusive, atuam em causas de assédio moral a favor de trabalhadores, revelam que, não raro, são levados a erro. Em muitas ações, aquele que se diz vítima é o assediador. "Em uma delas, após investigação criteriosa, foi constatado que a pessoa que reclamou de outra que falava muito alto e o tratava à base de palavrões, pelas costas, discriminava a chefe que era baixa, gorda, negra, nordestina e de origem humilde. O acusador se aproveitou conscientemente das diferenças culturais e regionais e ignorou que era habitual a moça usar, até carinhosamente, palavras consideradas chulas ou grosseiras por outros funcionários mais sisudos, de outras partes do Brasil", afirma um advogado.