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terça-feira, 30 de outubro de 2012


Preparo de terreno para plantio de soja usava trabalho escravo

Em propriedade em Marianópolis (TO), 45 vítimas trabalhavam em condições degradantes no preparo de área destinada à cultura do grão
Por Guilherme Zocchio*
Em um latifúndio destinado à plantação de soja, 45 pessoas viviam em condições análogas à escravidão. Na Fazenda Santa Maria, a cerca de 55 km do núcleo urbano do município de Marianópolis (TO), elas eram submetidas a condições degradantes enquanto trabalhavam na preparação do terreno para que o fazendeiro Joari Bertoldi começasse a cultivar o grão.
As vítimas foram resgatadas em meados de setembro (12) por uma operação do grupo móvel de fiscalização e combate ao trabalho escravo contemporâneo, composta por representantes do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF).
Empregados catam pedras em terreno que seria destinado à plantação de soja (Fotos: MTE)
O grupo cumpria uma jornada exaustiva, que se iniciava todo dia às 6h da manhã e seguia até às 18h, com eventuais atividades empreendidas durante a noite —período superior ao permitido pela legislação brasileira. Os funcionários da fazenda também não dispunham de equipamentos de proteção individual (EPIs) nem de registro na carteira de trabalho. 
Entre os trabalhadores estavam três mulheres e um jovem com menos de 18 anos. A denúncia partiu de uma das mulheres, que procurou a representação local da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Tocantins (SRTE/TO) para relatar as condições a que os funcionários da fazenda eram submetidos. Segundo a fiscalização, alguns empregados estavam há mais de três meses na propriedade.
Trabalho escravo no agronegócio da soja
O empregador havia acabado de adquirir a fazenda, com extensão em torno de 3,5 mil hectares, para começar uma lavoura de soja. Anteriormente, a área era ocupada pela criação extensiva de bovinos.
Galão de combústivel onde ficava armazenada
a água que as vítimas consumiam
A soja é uma das principais commodities exportadas pelo Brasil, principalmente para países do hemisfério norte, como os Estados Unidos, China e Rússia. Em 2011, atingiu-se o volume de 33,8 milhões de toneladas do grão vendidos para o exterior, de acordo com dados da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). Até o fim deste ano, a previsão da Abiove é que a exportação de soja chegue à casa dos 37,5 milhões de toneladas, número que tornaria o Brasil o maior exportador mundial do grão.
O setor ainda conta com largos investimentos do governo federal, que deve disponibilizar em torno de R$115,2 bilhões em empréstimos para este ramo do agronegócio, na safra 2012/2013, através do Plano Agrícola e Pecuário, do Ministério da Agricultura.
No tocante ao trabalho escravo, a cultura de soja é responsável por oito entradas na "lista suja", cadastro mantido pelo MTE com o nome de empregadores que utilizaram mão de obra análoga à de escravo. A última atualização foi em junho deste ano.
Condições de trabalho e alojamento
Segundo os servidores do MTE que participaram da fiscalização, a água que as vítimas eram obrigadas a beber vinha de uma represa próxima do local onde a maioria estava alojada. Quente e sujo, o líquido era normalmente armazenado em galões de combustível reaproveitados, sem as mínimas condições de higiene, para o preparo dos alimentos, os banho e a lavagem de roupas. “Disseram que até tentaram cavar um poço ao lado da represa para obterem uma água de melhor qualidade, mas não conseguiram. A sujeira e a cor da água mostravam de imediato a inadequação para o consumo”, aponta Newton Lanna, um dos dois auditores fiscais presentes na ação.
Trabalhador recolhe água de represa próxima a um dos alojamentos
O grupo trabalhava em dois ambientes diferentes, apesar de todos realizarem as mesmas tarefas. Uma equipe estava alojada perto da represa, sob a supervisão do “gato” (aliciador da mão de obra), enquanto outra tinha o alojamento fixado perto da sede da propriedade e fora contratada diretamente pelo fazendeiro. Este último contingente estava instalado em um galpão precário junto de máquinas, ferramentas, restos de lixo, combustível e agrotóxicos, e dormia em redes e camas improvisadas, em um ambiente com muita poeira e mau cheiro bastante forte.
Os funcionários que trabalhavam perto da represa ficavam em barracos cobertos por plástico preto, no meio do mato, sem contar com qualquer proteção contra animais peçonhentos, chuvas ou ventos fortes. Dormiam em redes ou tarimbas improvisadas. Os alimentos fornecidos pelo empregador eram conservados no mesmo recinto em sal ou gordura e preparados em um fogareiro improvisado nas imediações do alojamento.
Situação dos dois alojamentos entre os quais se dividia
o grupo de trabalhadores libertados
Não havia local adequado para que as refeições fossem feitas nem espaço para prepará-las, atividade que ficava a cargo das mulheres. O jovem com idade inferior a 18 anos trabalhava junto com os outros 41 empregados, assim como o “gato” que vivia em situações igualmente degradantes e também foi resgatado pela fiscalização.
Nenhum dos dois alojamentos dispunha de banheiros ou instalações sanitárias adequadas, o que obrigava o grupo como um todo a realizar as necessidades fisiológicas sem nenhuma privacidade ou higiene, no meio do matagal.
Segundo Newton, alguns trabalhadores vinham de Goiás, aliciados pelo próprio fazendeiro, mas a maioria era da própria região de Marianópolis (TO).
Empregador acompanhou fiscalização
Joari Bertoldi, dono do empreendimento, acompanhou toda a fiscalização. Diante do flagrante, o grupo móvel determinou que todo o trabalho na Fazenda Santa Maria fosse suspenso. “A única atividade era mesmo o preparo do solo feito pelos trabalhadores resgatados”, explica o auditor fiscal Newton. Ao todo, foram lavrados 12 autos de infração.
Os integrantes do MTE encaminharam um relatório sobre a situação na fazenda ao Ministério Público do Trabalho (MPT), que poderá firmar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o empregador ou entrar com uma ação civil pública postulando indenizações por danos morais individuais e coletivos.
Ao fim da operação, no dia 22 de setembro, o grupo recebeu as guias de seguro desemprego e as carteiras de trabalho a que tinham direito. O fazendeiro arcou com um valor em torno de R$ 151 mil, referente à rescisão contratual dos 45 funcionários. Com a autuação, Joari Bertoldi poderá ser incluído na “lista suja” do trabalho escravo.
A reportagem tentou contato com Joari Bertoldi. Antonio Ademar dos Santos, contador da fazenda que também acompanhou a fiscalização do MTE, falou com Repórter Brasil em nome do proprietário.
Em nota, Antonio disse que as reformas para adequar a situação dos alojamentos e dos refeitórios dos trabalhadores já tinham começado quando os fiscais do grupo móvel chegaram ao terreno. O processo de registro dos trabalhadores, segundo ele também, já estava em curso. Veja aqui na íntegra o posicionamento do empregador a respeito do caso.
*Com a colaboração de Daniele Silveira.