Sobre o autor |
Xisto Tiago de Medeiros Neto |
Procurador-Chefe, PRT 21ª Região - Rio Grande do Norte |
Orgulhosa do apogeu tecnológico alcançado, a sociedade contemporânea desconcerta-se diante de um inquietante paradoxo: quanto mais gera riqueza mais desvaloriza, discrimina e descarta o trabalho humano. Expressiva parcela da população cumpre, revoltada, a pena aviltante da exclusão do trabalho e assiste, indefesa, a contradição entre o aumento vertiginoso da produção de bens e a diminuição da utilização da mão-de-obra .
Estão se confirmando as previsões de que apenas 20% da força de trabalho humano disponível serão suficientes para atender às necessidades da produção do mercado consumidor mundial.
Facilmente se constata que não há, nem haverá, no futuro previsível, trabalho digno para a maior parte dos cidadãos do planeta. E isto é somente uma das conseqüências da pujança do sistema capitalista regente da economia mundial, caracterizado por privilegiar os resultados financeiros -elegendo o lucro como um objetivo em si mesmo- em detrimento da valorização dos fins sociais voltados para as necessidades básicas do próprio homem.
Assim, observa-se a tendência de reduzir-se o trabalho a um "dado" da economia ou considerá-lo um "mero componente" da atividade produtiva, incorporado-o como uma simples "variante", "elemento" ou "instrumento" de realização do modelo econômico.
O desemprego é uma das facetas mais perversas da negação da cidadania. Se não há trabalho, elimina-se a possibilidade de acesso aos bens mais básicos da vida (alimentação, moradia, educação e saúde) e pouca relevância terá para o cidadão o direito de votar e ser votado, o direito de se expressar ou o direito de se locomover.
Ninguém é ou sente-se livre em estado de miséria. A verdadeira liberdade está no direito de usufruir direitos.
A escravidão dos tempos modernos acompanhou a sua sofisticação: substituiu a prisão das correntes pela ausência de liberdade em se poder alcançar uma vida digna. A exclusão social proporcionada pela inacessibilidade ao emprego significa o encarceramento da dignidade do indivíduo e a cassação do seu status de cidadania. É responsável, também, pela perpetuação de um círculo vicioso: os excluídos do trabalho são os excluídos da educação e confundem-se com os integrantes da massa disforme da marginalidade social.
Atualmente, é o universo do trabalho o palco das maiores transformações, desafios e incertezas nas sociedades organizadas. Em nosso país, calcula-se que quase 60% da atividade produtiva encontra-se na informalidade, alheia ao "sistema oficial". Por isso, não é absurdo dizer que todo o ordenamento jurídico-trabalhista atinge menos da metade das pessoas que exercem atividades laborais, restando a grande parcela deste contingente sem qualquer proteção.
Em outro ângulo, testemunha-se uma tendência progressiva à precarização das relações de trabalho, circunstância que está presente, por exemplo, no excesso de fraudes produzidas nos contratos de trabalho, na terceirização ilegal das atividades empresariais, na mercantilização oportunista da mão-de-obra (principalmente pelas falsas cooperativas de trabalho), na exploração ilícita do trabalho de crianças e adolescentes e no descaso para com as normas de proteção à segurança e à saúde do trabalhador.
É doloroso comprovar que o cidadão, pela urgência de sobreviver, submete-se, sem maiores reações, em busca de uma renda mínima, às formas e condições mais aviltantes de trabalho, pois a necessidade do alimento e o desespero da carência decompõem o núcleo de essência moral do ser humano. A vontade e a liberdade do trabalhador anulam-se diante da precisão do momento.
O trabalho, como direito humano fundamental, integrante do rol dos direitos sociais, somente pode ser concebido se apresentar, em sua exteriorização e no valor do salário pago, o selo da dignidade, pois a natureza de quem o realiza não comporta manipulação, descaso, acessoriedade ou discriminação.
Registre-se, por fim, o alerta de que a garantia do direito ao trabalho digno implica no resgate do componente ético da sociedade capitalista. Não sendo assim, constituirá uma grande farsa continuar acreditando que a nossa "ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social" (artigo 170 da Constituição da República).
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